Má oclusão em cães: consequências e abordagem terapêutica
Já ouviste falar em má oclusão? Sabes o impacto que esta condição tem sobre os cães? Ou então, de que forma pode ser corrigida? São várias as questões acerca deste tema e podes descobrir mais sobre o universo da Dentisteria neste artigo.
Oclusão
Antes de percebermos o que é a má oclusão, é importante entender o que é considerado uma oclusão “normal”. A oclusão ou orto-oclusão consiste na relação funcional entre os dentes da arcada dentaria superior e inferior e é considerada normal quando: os dentes incisivos superiores se posicionam rostralmente aos dentes incisivos inferiores correspondentes, promovendo uma mordida em tesoura; quando há interdigitação dos dentes caninos em que o dente canino inferior se encaixa no diastema entre o terceiro dente incisivo superior e o dente canino superior sem tocar em nenhum destes dentes; quando existe interdigitação dos dentes pré-molares, em que as suas cúspides se opõem aos espaços interdentais da arcada oposta, sendo o primeiro pré-molar inferior o mais rostral de todos; sempre que a superfície mesiovestibular do primeiro dente molar inferior oclui com a superfície palatina do quarto dente pré-molar superior.
Má oclusão
A má oclusão ocorre quando acontece uma oclusão anormal dos dentes. Esta pode ser definida como má oclusão dentária, quando existe a erupção de um ou mais dentes com posicionamento anormal, ou como má oclusão esquelética, quando há uma disparidade óssea entre a maxila e a mandibula, ou então, uma combinação de ambas as situações. Estas anormalidades são mais frequentes em cães do que em gatos e as raças braquicefálicas tais como Pugs, Shih-tzus e Boxers são as mais predispostas.
As más oclusões dentárias apresentam etiologia multifatorial e estão normalmente associadas a fatores genéticos (braquignatismo e prognatismo), podendo ser perpetuados durante o cruzamento, nutricionais (deficiências minerais e vitamínicas), ou então, podem ser adquiridas a partir de eventos traumáticos como fraturas. A persistência de dentes decíduos é também uma das causas que contribui para o aparecimento desta condição.
A má oclusão pode ser classificada em quatro classes, podendo ser divididas em esqueléticas simétricas, correspondendo à classe I, II, III e esqueléticas assimétricas, correspondendo à classe IV. A classe I ou Neutroclusão mandibular refere-se ao mau posicionamento de um ou mais dentes, promovendo uma mordida cruzada rostral ou mordida cruzada caudal. A classe II ou Distoclusão mandibular ocorre quando o osso mandibular é mais curto em relação ao maxilar dando a origem ao conhecido braquignatismo. A classe III ou Mesioclusão mandibular, é definida como a mandibula sendo mais comprida do que o maxilar (prognatismo). Por fim, a classe IV ou Mesiodistoclusão, refere-se a uma assimetria maxilomandibular em direção rostro-caudal, latero-lateral ou dorso-ventral.
Consequências
A sintomatologia que resulta desta condição, pode causar dor e desconforto no animal. Algumas das consequências descritas são: fraturas dentárias; anormalidades na erupção dentária; artrose temporo-mandibular; acumulação de placa bacteriana e posteriormente a doença periodontal; desnutrição; formação de caries; desgaste dentário; traumatismo sobre os tecidos moles e formação de fistulas oronasais.
Diagnóstico
O diagnóstico precoce da má oclusão pode contribuir para a sua prevenção, e é conseguido através de uma boa anamnese, exame físico, uso de modelos dentários e com auxílio de métodos de imagiologia, tais como, radiologia intraoral e a tomografia computorizada.
Tratamento e prevenção
O tratamento ortodôntico visa promover a oclusão funcional, saúde bocal e proporcionar bem-estar ao animal, de forma que este leve uma vida confortável e sem dor. Os procedimentos terapêuticos devem ser implementados a partir dos 8-12 meses de idade. Estes incluem a ortodontia intercetiva, que consiste na extração cirúrgica de dentes mal ocluídos que estão a contribuir ou que contribuirão para problemas à medida que o animal envelhece, e na ortodontia corretiva, que através do uso de aparelhos ortodônticos, realiza a movimentação dentária de forma que os dentes não necessitem de ser extraídos cirurgicamente. Estes aparelhos podem ser fixos, como é o caso dos planos inclinados, e brackets, sendo que são mais vantajosos pela impossibilidade de serem removidos pelo animal e serem menos volumosos. No entanto, a principal desvantagem é que os alimentos se acumulam mais facilmente e por isso exigem maior higiene oral. Por outro lado, os aparelhos removíveis, podem ser facilmente retirados durante a higiene oral e reinseridos novamente. A principal desvantagem destes, é serem mais volumosos e haver risco de serem deglutidos pelo animal tornando-se um corpo estranho intestinal.
Por fim, a abordagem preventiva permite a resolução precoce de situações que possam originar más oclusões dentárias a longo prazo. Esta é conseguida através de vários procedimentos, tais como: a extração de dentes decíduos persistentes; avaliação regular do desenvolvimento dentário desde a fase inicial da vida do animal; escovagem diária dos dentes e destartarização; evitar a oferta de guloseimas que promovam o aparecimento de caries e o uso de brinquedos de borracha com tamanho e formato apropriado à cavidade oral.
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